Eliedson dos Santos Sousa
RESUMO:
São inúmeras as discussões acerca da monstruosidade
nos contos de fadas. O tema tem se tornado polêmico e desafiador, pois muitas
correntes ideológicas o encaram de formas variadas, entretanto, deve-se considerar
que há muito a ser discutido no que diz respeito à monstruosidade na Literatura Infanto-Juvenil. Por isso, este trabalho tem por objetivo analisar e discutir
acerca da figura dos monstros nos contos infantis: O gigante e as três irmãs,
Onde vivem os monstros, O Grufalão, e evidenciando seus arquétipos enquanto construções
sociais. O artigo apresentará tais figuras (monstros) como construção social e,
portanto, enfatizará também a importância de analisá-las como uma expressão dos
anseios e medos da mente humana. Também se dará destaque aos arquétipos e os
discursos construídos em torno da figura dos monstros nos contos de fadas,
possibilitando que o leitor exerça um olhar crítico sobre o tema, para que
assim o mesmo tenha condições, se assim o desejar, de desconstruir os discursos
equivocados que giram em torno da monstruosidade.
PALAVRA
CHAVE: Monstruosidade, literatura, discursos.
Apresentação
Durante
muito tempo a monstruosidade tem sido encarada de uma forma não tanto
apropriada, ou seja, os monstros têm povoado a literatura, os filmes, os jogos
como seres maléficos, estranhos que extrapolam a normalidade tanto nos aspecto
físico quanto comportamental. Esses seres são considerados criaturas totalmente
opostas aos padrões humanos, e por isso, devem ser vistos como figuras que
devem ser combatidas ou na melhor das hipóteses, evitadas como exemplos que não
devem ser imitados. São poucas as pessoas capazes de perceber que, ao contrário
do se costuma pensar, a monstruosidade está intimamente relacionada à natureza
humana, com a psiquê do homem, com seus anseios, frustrações e medos,
principalmente o medo do desconhecido.
Como
já foi dito anteriormente, tem crescido entre os pesquisadores o interesse
sobre o tema, e a cada momento pode se constatar que esses seres fabulosos, não
estão restritos ao universo infantil, mas também intrigam os adultos, pois a
monstruosidade é, antes de tudo, uma construção social. Sendo assim, os
monstros sempre tiveram presentes na história do homem. Em diversas culturas e
em épocas distintas, tais criaturas faziam parte dos mitos e tradições dos
povos. Sabe-se que na mitologia grega existiam monstros diversos. Um bom
exemplo é a figura do Minotauro, que era uma criatura metade touro e metade
homem. Ele habitava o labirinto erguido pelo rei Minos de Creta e projetado
pelo arquiteto Dédalo e seu filho Ícaro, para abrigar a criatura. Outra figura
intrigante era a Medusa, era um monstro do sexo feminino, filha de Forcis e
Ceto . Quem olhasse diretamente para ela acabava se transformando em pedra. Ao
contrário de suas irmãs Gorgonas, Esteno e Euríale, Medusa era mortal e
posteriormente foi decapitada pelo herói Perseu que utiliza sua cabeça como
arma para dá-la a deusa Atena que a colocou em seu escudo. Na antiguidade
clássica a imagem da cabeça da Medusa era utilizada para afugentar o inimigo. Outro
monstro que tinha destaque era o deus Tifão, a quem os gregos o
responsabilizavam pela paternidade dos ventos ferozes. Cabe lembrar, contudo,
que os gregos criaram os seus deuses à sua imagem e semelhança, isto é, os
deuses amavam traíam e matavam seus opositores. Na cultuar hebraica é possível
se ver a figura do leviatã e dos gigantes dos tempos bíblicos, como Golias, por
exemplo, que foi morto pelo rei Davi. É muito comum em qualquer cultura a
crença de que os monstros representam obstáculos a serem vencidos pela força ou
astúcia do herói, sendo assim, em muitos contos de origem diversa, os monstros
são representados como vilões que devem ser derrotado pelo mocinho. Todos esses
arquétipos foram progressivamente passado de geração em geração até atingir os
dias atuais, entretanto, já podemos ver, em nossos dias, uma mudança significativa no que diz respeito à monstruosidade, pois estes
seres estão se tornando cada vez mais próximos dos seres humanos. Pode se
verificar tal fato no conto “Onde Vivem os monstros” de Maurice Sendak. O conto
narra a historia de um menino hiperativo que numa certa noite ao vestir uma
fantasia de lobo e fazer muita bagunça, a mãe o chama de monstro, em seguida,
quando ele vai dormir , em seu quarto, surge uma floresta que depois levará o
menino para terra onde vivem os monstros. Ao chegar nessa região os monstros
ameaçam o garoto dizendo que iria devorá-lo, entretanto, o menino acaba
intimidando os monstros para depois se tornar amigo deles. Verifica-se neste
conto a apresentação da monstruosidade como parte da natureza humana e não como
algo que é oposto a ela.
Quem são os monstros?
“O monstro não passa
de uma barreira, impensável e sempre pensada, nos limbos da razão, como as
raças monstruosas que habitavam na periferia do mundo humano. São os nossos
guardiões e é necessário produzi-los apenas em número suficiente para nos ajudar
a pensar e a manter a nossa humanidade em nós. Sob pena de já não sabermos
muito bem o que faz de nós seres humanos.”
(GIL 1994:p.132)
Segundo
Ana Margarida Ramos, a monstruosidade é
uma das temáticas mais antigas da humanidade, os monstros ganham expressão em
diversas manifestações culturais como a pintura , escultura, arquitetura e até
o cinema, entretanto, a monstruosidade sempre foi vista de forma negativa, pois
como já foi dito, esses seres extrapolavam os limites de uma suposta
normalidade. Os monstros assegurariam, há séculos , ao homem uma estabilidade,
ou seja, quando o indivíduos olha para essas criaturas conseguem ver nelas o
seu oposto, e daí se convence de sua própria normalidade. Os discursos que
giram em torno da monstruosidade encaram esses seres como uma violação das
leis, perigos, ameaças, aquilo que é irracional não dominável. Os monstros
seria uma projeção de todos esses conceitos acalmando as angustias que dominam
os homens. Vejamos o que diz autora:
“Os
simbolismos do monstro são os mais variados e, em alguns casos, podem ser mesmo
contraditórios entre si. Os monstros encarnam, pois, receios e desejos vários e
são sempre lugar para a reflexão dos limites do “normal”, para o questionamento
do lugar do Homem num Universo desconhecido, repleto de bestas medonhas.
Transferidos para os seres monstruosos, os medos do indivíduo ou da coletividade
objetivizam-se, tornam-se “reais” e podem ser combatidos e vencidos por força
da inteligência e da astúcia, quando não da força. Deste modo, o Homem
reivindica também o seu lugar de primazia no mundo, afirmando a superioridade
da sua espécie e aquilo que a define como tal, numa posição que, nos dias de
hoje, já é alvo de inúmeras críticas”.
Um bom exemplo no que diz
respeito ao monstro ser combatido pela astúcia é o conto O gigante e as três
irmãs. Esse conto é de Alice vieira e conta história de um construtor civil que
se vê obrigado a entregar as três filhas a um gigante que as aprisionam em seu
castelo, mas graças à astúcia da irmã mais nova, as outras duas irmãs chamadas
no conto de irmã mais velha e irmã do meio, são libertadas. O gigante por sua
vez se vê enganado e, ao abrir uma porta proibida, é congelado e cai num
profundo abismo. As irmãs, juntamente com a irmã mais nova, conseguem voltar
para a casa do pai. A mesma temática se vê em o conto O Grufalão. Este conto
conta história de um ratinho muito esperto que consegue enganar seus predadores
dizendo para aqueles que pretendiam devorá-lo, que existia um suposto Grufalão
de aparência terrível. Os predadores fogem de medo e, assim, o ratinho escapa
de ser devorado. Quando finalmente aparece o Grufalão o ratinho também consegue
enganá-lo fazendo o crer que todos outros predadores têm medo do ratinho, o que
na verdade os predadores temem o
Grufalão. Esse arquétipo é muito comum na história, e ao contrario do se
imagina, não está restrito ao universo infantil.
Segundo Julio Jeha, em seu artigo
“monstros como metáfora do mal”, a monstruosidade estaria relacionada
metaforicamente ao mal, entre as metáforas mais comuns para se representar o
mal estaria o crime, o pecado, os monstros. Sendo que, quando ele aparece na
esfera legal se se atribui a ele às transgressões das leis sociais, quando aparece no domínio religioso é prontamente reconhecido como quebra das leis
divinas, e quando a ocorre no reino estético ou moral dá-se o nome de monstros
ou monstruosidade. Segundo Jeha, os monstros desempenhariam um papel político,
uma vez que torna-se mantedor das regras sócias, os monstros seriam um
estratagema para rotular tudo que infringe a lei.
Já para Maria Pontes professora e
doutora em literatura portuguesa, os contos de fadas tem um poder educativo muito
significativo para o desenvolvimento da criança. Para a autora tais contos
ajudam os pequenos e lidar com seus medos, as crianças podem encontrar neles um
suporte para supera seus medos. É isso que vemos metaforicamente no conto “Onde
vivem os monstros”, pois se percebe que, ao ter contato com seus monstros
internos, a criança acaba voltando para a casa dos pais. È possível se ver
claramente o caráter pedagógico do conto. Vejamos um pequeno trecho do conto:
“E agora Parem! Disse Marx e mandou os monstros
para cama sem jantar. E Marx, o rei de
todos os monstros, ficou sozinho com vontade de estar em algum lugar que
alguém gostasse dele de verdade. Então, por todos os lados,vindo de muito
longe, atravessando o mundo inteiro, ele sentiu cheiro de coisa boa de comer e
desistiu de ser rei do lugar onde vivem os monstros”.
O conto “O gigante e as três
irmãs” vai trazer a figura de um gigante que consegue amedrontar um construtor
civil ameaçando-o matá-lo caso ele não entregasse as suas filhas para o
gigante. O construtor civil temendo a morte entrega primeiro a filha mais velha,
e depois as duas outras filhas a mais nova e a filha do meio. Vejamos um
pequeno trecho:
Narrador: Era uma vez um construtor civil que tinha três
filhas. Estava a dirigir-se do trabalho para casa quando lhe apareceu um
gigante.
Construtor
civil. Por favor, deixe-me despedir das
minhas filhas antes de morrer.
Gigante. Não vou te matar. Mas só se amanhã me entregares o
primeiro ser vivo que vires até chegar sua casa.
O resto da história irá se
desenrolar mostrando as exigências do gigante para com o construtor civil. O
construtor civil se ver indefeso e acaba entregando as três filhas ao monstro.
Entretanto, as três filhas acabam sendo salvas graças à astúcia da irmã mais
nova que consegue enganar o gigante escondendo suas irmãs numa caixa e mandando
par o pai.
Já o conto “O Grufalão” também
pode se ver a astúcia do ratinho. Um aspecto interessante que há em comum nas
duas obras, é que em ambas os monstros são descritos como seres cruéis,
terríveis que extrapolam a normalidade. Entretanto, na obra Onde vivem os
monstros é possível se ver os monstros brincando com a criança, interagindo com
ela e até demonstrando alguns sentimentos pelo protagonista.
Essa mudança é muito
significativa, pois quebra aquele conceito a respeito da monstruosidade, que encara
estes seres como sendo sempre criaturas maléficas e abomináveis. Particularmente nesta obra, é possível ver o
contato da criança com os monstros como uma metáfora do próprio crescimento
infantil. Os monstros do conto podem estar simbolizando os monstros internos
tão presentes na vida de qualquer criança. A professora Maria Pontes trata
dessa questão muito bem, quando diz que os contos de fadas têm um caráter
pedagógico, ou seja, além de transmitir certos valores, ajuda os pequenos no
seu processo de desenvolvimento.
O que há de comum entre os três contos
(O gigante e as três irmãs, O Grufalão, Onde Vivem os monstros), é que os
monstros são vencidos pela astúcia do protagonista, entretanto só no primeiro e
no terceiro conto se vê os monstros convivendo, ainda que forma tensa, com os
seres humanos. Isso realmente é uma prova de que o conceito de monstruosidade
vem se modificando nos dias atuais. Há muitas outras obras que tratam do tema
da monstruosidade, entretanto, foi preciso selecionar apenas três para que a
discussão não se tornasse cansativa.
Considerações finais
As discussões que giram em torno
da monstruosidade são inúmeras, principalmente no que diz respeito aos
discursos. Estes discursos têm apresentado a monstruosidade como algo estranho
à natureza humana, apresentam tais criaturas como seres maléficos que
extrapolam os limites da normalidade em todos os aspectos. O que está comprovado
é que a monstruosidade é algo inerente ao próprio ser dos indivíduos, isto é,
os monstros é uma figura que espelha os conflitos humanos, os seus medos do
desconhecido e também seus anseios. A monstruosidade, portanto, é parte da
natureza humana, tais criaturas são seres estranhos assim como o homem também o
é, se eles são maléficos com certeza espelham aquilo que está na alma humana.
Sendo assim, o ser humano tem que assumir e aceitar a monstruosidade como parte
constituinte do seu próprio mundo, deve enxergar neles, não um obstáculo, mas
um aliado que pode ajudar a compreender a os conflitos que abatem a psiquê do
homem. Só procedendo desta maneira que o ser humano poderá entender não só os
mitos, mas também a si mesmo.
As reflexões sobre o tema devem
ser tratadas com seriedade, pois como já discutido, a monstruosidade não é algo
restrito à personalidade da criança, mas é ,antes de tudo, uma dimensão
riquíssima da mente de qualquer se humano.
É possível se verificar que, com
o decorrer do tempo, cada vez mais o conceito de monstruosidade vem se
modificando É isso que pode se constatar em diversas obras, sejam elas escritas
ou televisivas. Tal fato pode ser um indicador de que a mentalidade do ser
humano está amadurecendo para um novo estagio no que diz respeito à temática da
monstruosidade.
Referências
RAMOS,
Ana Margarida. Os monstros e a literatura para infância e juventude. Disponível
em:
Acesso em: 02/02/14
em: 02/02/14
PONTES, Manuela Valério Ferreira
. Monstros metamorfoses e crescimento infantil.
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